quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Supersticiosa, eu?

Que tal um conto 'sobrenatural' para o Halloween?


O turno da noite me faz pensar. Fico aqui sozinha e acabo matutando em como minha vida poderia ser diferente. Afinal, eu já tenho dezenove anos! Por que estou aqui sentada atrás do balcão deste hotel? Eu deveria estar descobrindo o mundo. Já estamos em 1968 e nos dias de hoje uma garota pode fazer mais do que apenas se casar e ter um punhado de filhos.

A neblina está cada vez mais densa lá fora. Quando cruzei o "caminho das velhinhas" (todo mundo com menos de vinte anos o chama assim, mesmo que seu nome oficial seja "caminho da igreja") já estava bem difícil de enxergar e, como sempre, eu achei ter visto alguém espreitando entre os arbustos. Mas, foi só impressão minha.

Acho que vi um vulto na porta de vidro, onde está o porteiro quando preciso dele? É por isto que eu detesto ficar aqui a esta hora. Puxa, era só o Antônio da contabilidade. Só não sei o que ele está fazendo aqui, afinal o hotel é da família dele e, portanto, ele não precisa fazer horas extras.

Dizem que era dele o buquê que recebi no meu aniversário, mas não havia nome no cartão e prefiro acreditar que foi outra pessoa. Minha mãe o consideraria um ótimo partido, mas ele me dá arrepios. Provavelmente pelo fato de sua última namorada, a Maristela, que, era a recepcionista aqui há uns dois anos, ter se suicidado. A garota ter se atirado de uma das janelas do terceiro andar do hotel na véspera do noivado deles certamente não é um bom sinal.

Bem, vou pegar um livro da estante de achados e perdidos para me distrair. Opa, sou tão desastrada que ao puxar um livro da prateleira de cima, derrubei outro. Ao juntar o livro, que caiu aberto na primeira folha, percebi um nome rabiscado com letras bem desenhadas na primeira folha. “Deve ser o nome do antigo dono.”, pensei e então li: “Maristela Farias”.

Certo, foi só uma coincidência o livro da garota morta, cujo namorado provavelmente me mandou flores, ter caído na minha cabeça. Não acredito nestas coisas, sou uma garota moderna. Mas como perdi totalmente a vontade de ler, o que vou fazer para passar o tempo? Ainda são sete e meia, e eu só saio às dez.

Perfeito, acabou a luz. Vou dormir aqui sentada. Socorro, alguém segurou meu braço! Agora é o momento em que eu deixo de ser uma garota moderna e grito pela minha mãe? Ufa, era só o porteiro e ele pediu para eu subir e levar uma lanterna e fusíveis para o Antônio dar um jeito na luz, enquanto ele cuida de recepção para mim.

Segundo o porteiro, como o cofre fica lá em cima, ele não tem autorização para subir (por estar armado), mas eu acho que ele está com medo. Todas as camareiras dizem que o terceiro andar é assombrado pela avó do Antônio, que morreu aqui há uns dez anos. Sem falar da Maristela. Mas por que fui me lembrar de tudo isto logo agora?

Cansei, quantos degraus! E por que as cortinas estão balançando tanto aqui em cima? Não me lembro de estar ventando lá fora. Vejo uma luz pela fresta da porta da contabilidade, o que significa que o Antônio já tem uma lanterna. Mas se ele está lá, de quem são estes passos atrás de mim. E que mão gelada é essa que segurou o meu pulso? Acho que vou desmaiar.

Não há nada aqui, mas eu juro ter ouvido um "Vá embora", sussurrado por uma voz feminina, ao mesmo tempo em que a lanterna que eu trouxe apagou. Talvez eu esteja alucinando, mas mesmo assim melhor eu sumir daqui. Não que eu seja supersticiosa, mas para que arriscar?

Talvez eu não desça. Não gostei nenhum pouco de uma sombra parada no meio do corredor, bem no caminho para a escada. E agora? A porta do arquivo morto (nome sugestivo, não?) escancarou-se de repente e uma rajada de vento gelado invadiu o corredor espalhando uma fina película de névoa pelo ambiente. Dei um passo para trás, enquanto a sombra se aproximava lentamente.

Dedos gélidos tocaram no meu braço novamente. "Está vindo atrás de você", murmurou a voz. Sem pensar, atravessei o corredor o mais rápido que pude e entrei na sala da contabilidade. Havia uma vela acessa sobre a mesa, mas o lugar estava vazio. Caminhei até a janela e só pude ver a massa acinzentada de neblina que cercava o prédio.

Subitamente o reflexo de uma garota loira e com o rosto coberto de sangue apareceu no vidro ao meu lado. Virei num pulo, mas não havia nada ali, eu continuava sozinha. A porta do banheiro abriu lentamente com um rangido e eu respirei aliviada. "Antonio, que bom que você está aí.", exclamei.

Mas não era o Antônio que acabara de sair do banheiro. Na minha frente, estava uma mulher grisalha, enrugada e transparente. A avó de Antônio, eu a reconheci de uma foto da recepção. O grito ficou preso na minha garganta, enquanto eu não podia acreditar no que eu estava vendo. “Só posso estar sonhando!”, conclui.

“Não vou deixar que você repita o que fez comigo”, disse a voz que eu ouvira antes. Com o canto dos olhos, avistei uma jovem loira, ensanguentada e tremeluzente a minha direita. A velha não pareceu preocupada com a ameaça e esboçou um sorriso assustador. As duas pareciam prestes a se atacar, quando a porta do corredor se abriu e ambas desapareceram.

“Ah, você está aqui”, exclamou Antônio. Apenas sacudi a cabeça afirmativamente. “Trouxe os fusíveis?”, perguntou ele. Mas antes que eu pudesse responder, arregalei os olhos ao perceber uma mão pálida tombar a vela que estava sobre a mesa.

Rapidamente, o fogo se espalhou pelos papéis e logo alcançou o chão se espalhando pela sala. Dei um passo para trás, para me afastar das labaredas que tomavam tudo ao meu redor e senti duas mãos sobre o meu peito. No instante seguinte, um empurrão violento me jogou para trás, atravessei a janela e despenquei rodeada por cacos de vidro.

Abri os olhos assustada. “Ainda estou viva?”, pensei. Então, percebi que estava sentada na minha cadeira da recepção, no escuro. “A luz acabou e eu peguei no sono, foi isto.” Fechei os olhos e soltei um longo suspiro de alívio. Ao abri-los novamente, um rosto coberto de sangue me encarava. Coloquei a mão na boca para conter um grito, enquanto a jovem loira falava “Vá embora.”

Sem hesitar, levantei e chamei um táxi.

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