sexta-feira, 1 de junho de 2012

Leia o manual

Que tal um conto, para ler nesta sexta-feira?

Leia o manual 

Odeio meu trabalho. Não suporto o que eu faço, mas não tenho alternativa. Se eu tivesse ouvido minha mãe e sido uma boa garota, as coisas seriam diferentes, mas eu não ouvi. E se não fosse por este trabalho, neste momento, eu estaria, sem exageros, comendo o pão que o Diabo amassou.

Depois de um dia de trabalho eu me sinto terrivelmente cansada. Ninguém quer passar o dia ouvindo reclamações, perguntas sem sentido e exigências de solução num estalar de dedos. Muito menos eu que nunca gostei de ajudar os outros, o que talvez seja um dos motivos para eu ter acabado neste trabalho.

Eu não sei tudo e não faço milagres. Portanto, preciso de tempo para analisar cada caso, para verificar o que foi feito até o momento e como podemos corrigir o que está errado, mas parece que nem meus clientes, nem meu chefe entendem isto.

O pior mesmo são as pessoas que se dizem desesperadas por ajuda, mas não ouvem o que eu falo. Elas não querem saber o que precisam corrigir, querem apenas que eu lhes diga que fizeram tudo certo e que podem continuar a fazer tudo como quiserem, pois eu darei um jeito para que o resto do universo se adapte a sua vontade. Para receber qualquer auxílio, você precisa ser humilde, escutar sugestões e fazer o que lhe pedem, mas meus clientes fingem não saber disto. Além de nunca lerem o manual. A maior parte das respostas esta lá, por que não o lêem antes de falar comigo?

Ouvi uma vez, que a definição de loucura é tentar alcançar objetivos novos, através das mesmas atitudes e se isto for verdade, posso afirmar que 90% das pessoas são malucas. Inclusive eu que repito todo dia o modo certo de fazer as coisas aos meus clientes por mais que eles nunca me ouçam.
Hoje, passei o dia tentando entender a bagunça que um dos meus clientes aprontou, até chamei uma colega para ajudar, a Muriel, mas ainda não encontrei a solução para o caso dele. Seria bem mais fácil se meu trabalho fosse apenas fazer o que o cliente pede, mas em geral eles não sabem dizer o que está errado, só querem que a gente conserte.

E para completar, o chefe requisitou prioridade em um caso que eu ainda nem tive tempo de ver, porque o pedido chegou ontem. O caso do Ciclano é urgente, ordem de cima, disse ele. E lá se foi minha fila de atendimento. Acho que esta é a coisa mais irritante deste trabalho: a mania de passar a mão na cabeça dos filhos pródigos que fazem tudo como bem entendem e de repente, em cima da hora decidem corrigir todos os seus erros e apelam literalmente para Deus e todo mundo.

Bem, é melhor eu descansar agora, porque amanhã começa tudo de novo. E por mais que eu não possa resolver todos os problemas, e as pessoas não ouçam os meus conselhos, eu tenho que tentar. Não posso desistir de ninguém, não quero que acabem como eu. Eu já estive do outro lado e se tivesse procurado e principalmente aceitado ajuda a tempo, não estaria aqui.

E por mais que trabalhar como anjo não seja nada fácil é melhor do que o lugar para onde eu iria se não houvesse aceitado o cargo.


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